Um canal no YouTube chamado ”Brasão de Armas” publicou um video há um ano alegando que a história grega foi deturpada por uma agenda ativista gay. O Autor do video afirma que seu propósito é realizar um ”estudo histórico” sem militância política nem julgamento da orientação sexual de ninguém. A reivindicação de neutralidade ideológica, porém, não se sustenta ao longo do video, em função do emprego de argumentação falaciosa, distorções, omissões, meias verdades, informação falsa e ao menos duas fontes enviesadas politicamente. O autor escreve na Gazeta do Povo, um veículo conservador de direita e parece ter começado uma produção em série de vídeos ”desmentindo” fatos históricos sobre homossexualidade. Aqui eu me proponho a examinar a legitimidade da argumentação e da suposta isenção do video ”A Grécia Antiga era Gay: uma Fake News histórica”, de 30 minutos.
”A Grécia Antiga era Gay?” ou a Falácia do espantalho
A tese que o video se propõe a refutar é a versão distorcida da crença comum de que os gregos antigos toleravam a homossexualidade. O autor Thiago Braga criou aqui um espantalho (”A Grécia Antiga era Gay”) com o objetivo retórico de derrubá-lo, a fim de passar a impressão de que na realidade refutou a crença popular de que na Grécia antiga a homossexualidade era tolerada. Quando ele atribui ao ativismo homossexual a fala ‘‘Isso é evidência de que praticamente a Grécia inteira era gay’‘ reafirma e reforça o espantalho. O fato é que nenhum classicista, historiador ou acadêmico dos estudos da homossexualidade grega jamais disse tal coisa. Apesar disso, Thiago Braga insiste no argumento falacioso pela terceira vez e propõe o questionamento baseado no próprio espantalho: ”Os gregos eram tão gays como dizem por aí?”. São duas as principais alegações argumentativas: 1) Que alguém disse que todos os gregos eram gays. 2) Que práticas homossexuais entre os gregos é um mito. Ao longo do vídeo o autor irá confundir ambas e ainda combinar as duas alegações com uma terceira: Os gregos eram universalmente intolerantes à homossexualidade e condenaram essas práticas em todas as épocas. A revelação de que alguém teria dito que a homossexualidade grega antiga era um padrão, segundo o autor do video, ”é bastante recente” e surgiu com o que ele chama de ”interpretação de Dover” (K. J. Dover, eminente classicista). Thiago Braga afirma também que todos os estudos posteriores a Dover sobre homossexualidade grega meramente se basearam nessa ”interpretação”, o que é, diga-se de passagem, uma simplificação grosseira.
Kenneth Dover nunca disse que todos os gregos eram gays, ou que a maioria dos gregos era gay. Ele fala em ”homossexualidade aberta e muito difundida”, mas reconhece que havia preferências sexuais individuais e sugere que a sexualidade dos gregos era ”fluida” além de defender que as categorias de ”homossexual” e ”heterossexual” não eram aplicáveis a eles, ideia aproveitada por Foucault em História da Sexualidade. Além disso, não é verdade que essa discussão sobre a tolerância da homossexualidade na Grécia antiga começou com Dover; mais de cem anos atrás, o classicista heterossexual Gilbert Murray escreveu em ”The Rise Of The Greek Epic’’ (1907) que ‘’As primeiras tradições gregas testemunham tanto a existência quanto a tolerância dessas práticas (homossexuais)’’. Aprioristicamente o autor do video ainda insinua sobre a existência de uma agenda política gay em comum entre Dover e o filósofo homossexual Michel de Foucault. Reporta-se de modo explícito ao suposto fato de que a história da Grécia foi ‘’reinterpretada’’ por influência de Foucault, e que essa ‘’visão da Grécia gay’’ foi ganhando força a partir ‘’dessas militâncias’’. Ele confirma esse raciocínio com sabor de teoria conspiratória ao explicar que seu vídeo é uma crítica a ‘’essa abordagem tanto de Dover quanto de Foucault’’. A relação entre Foucault e Dover, entretanto, era estritamente de leitor consultando uma fonte; vários classicistas como James Davidson inclusive examinaram a forma como Foucault reinterpretou ou contradisse Dover. A importância do trabalho de Dover e sua popularidade deriva do seu método; ele baseou sua análise em fontes variadas (pinturas de vasos, registros arqueológicos, diversos gêneros discursivos) e não apenas em literatura. Isso posto, vamos às demais alegações e verificação em formato de Checklist:
1. O conceito de ”Homossexual” só foi criado em 1869. Falso. Essa é a convencional alegação do dogma construtivista, defendida por Foucault. O autor do video, apesar de condenar militância ideológica, de modo oportunista se serve da teoria construtivista social, enraizada no idealismo filosófico. Confunde, assim como Dover e Foucault (que ele critica) o ”conceito” (ideia) com a ”palavra” (veículo de expressão). É a palavra ”homossexual” que os gregos desconheciam. Vários textos gregos, filosóficos, médicos e literários apontam que eles conheciam o conceito. O mito criado por Platão em O Banquete para explicar a origem das sexualidades humanas descreve muito bem de forma alegórica a homossexualidade masculina, a homossexualidade feminina e a heterossexualidade. Esse mito com influências órficas revela homens e mulheres que sentem atração unicamente pelo mesmo sexo, que é o próprio ”conceito” de ”homossexualidade”. Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, reconheceu que alguns homens amam apenas outros homens “por natureza”. Um conceito não precisa de uma palavra para existir ou ser expressado; os antigos hindus e os romanos não tinham uma palavra para ”religião”. Disso não segue que eles não tinham ”religião” ou desconhecessem todos os elementos atrelados à palavra ”religião”.
2. O ”Homossexualismo” grego é um mito. Completamente falso. Mesmo as fontes muito restritas e limitadas oferecidas pelo autor do video (em especial o capítulo de David Cohen e o artigo de Thomas Hubbard) apresentam evidências de homossexualidade grega e sua tolerância relativa, segundo tais autores. Em dado momento do video, Thiago Braga faz uma aparição em um recorte tardio, fingindo que não havia dito que o ”homossexualismo grego” nada mais era que um mito, e se socorrendo com ajuda do espantalho que ele mesmo criou no início sobre ”uma Grécia gay”, alegando que não quis dizer que não havia homossexualidade entre os gregos, mas sim que havia somente uma minoria homossexual.
3. Aquiles e Pátroclo eram apenas amigos. Meia verdade. O video faz uma leitura superficial da Ilíada, ignorando o subtexto, a sua origem na oralidade e as diversas versões, supressões e edições que o texto atribuído a Homero sofreu (Gilbert Murray em 1907 sugere que o homoerotismo entre Aquiles e Pátroclo foi ‘’atenuado’’ por editores moralistas antigos da Ilíada, ideia confirmada por Ésquines na Atenas clássica). Ignora também a polissemia do termo ‘’amigo’’ entre os gregos; em Fedro, de Platão, a palavra ”amizade” é empregada como sinônimo de ”amor”, por exemplo. Lísias diz que o amante quando está preso a uma amizade forte, se sujeita a sevícias para agradar o amado. Em o Banquete, no discurso de Pausânias, também a palavra ”amigo” aparece conectada a ”amante” (erastes). Por fim, o autor do video parece ter dificuldade de compreender que Aquiles e Pátroclo não são personagens históricos, mas literários.
4. Referência de Xenofonte é a primeira sobre o relacionamento entre Aquiles e Pátroclo. Mentira. A primeira referência grega sobre a relação homoerótica entre Aquiles e Pátroclo data de cem anos antes de Xenofonte e é o dramaturgo Ésquilo, cujos fragmentos da peça Mirmidões revelam o lamento erótico de Aquiles por Pátroclo, citação e interpretação confirmada por Platão em O Banquete. O video menciona Xenofonte porque ele nega a relação amorosa, porém Thiago Braga omite tendenciosamente as referências de Platão, Ésquilo, de Ésquines, Theócrito e de Bion de Esmirna, todas atribuindo um relacionamento homoerótico a Aquiles e Pátroclo.
5. O video é ‘’estudo histórico’’, não é militância política nem julgamento da orientação sexual Falso. O autor Thiago Braga emprega duas fontes tendenciosas e conservadoras; John M. Finnis, jurista homofóbico que defende abertamente a discriminação civil de pessoas homossexuais, e o acadêmico conservador Bruce Thornton. Ele também oculta informações das fontes empregadas quando convém; por exemplo, o livro de Thornton sobre a sexualidade grega antiga, logo no prefácio resume a posição ideológica do acadêmico: ‘’Este livro, portanto, não trata do que os gregos realmente pensavam, sentiam ou faziam a respeito do sexo’’.
6. Leis sobre sexualidade e moralidade em Atenas condenavam ou restringiam práticas homossexuais. Meia verdade. Havia a lei da prostituição que proibia cidadãos de se envolver em sexo por dinheiro, sob pena de perda da cidadania. O classicista Charles Hupperts em seu estudo abrangente da homossexualidade grega, Eros Dikaios, (2000) revela porém que existiu uma grande lacuna entre a moralidade oficial refletida nas leis sobre o comportamento homossexual e a moralidade sexual que os atenienses comuns praticavam na sua vida quotidiana. Hupperts observa também com base, dentre outras evidências, no discurso de Ésquines sobre o comportamento de Timarcos que ”Os homens e jovens atenienses (meirakia) eram autorizados por lei a prostituir-se, desde que não fossem politicamente ativos. No entanto, vimos que esta lei caiu em desuso e que a sociedade ateniense tolerava a prostituição de homens adultos, mesmo quando estes ocupavam um papel de destaque na política”. De acordo com ele, ”as leis continham um código externo, que não foi internalizado como código de conduta nem como norma avaliativa, ou seja, um código que as pessoas não internalizaram para regular o seu comportamento e moldar o seu padrão normativo”. Thiago Braga menciona o discurso de Ésquines no seu video como indicativo de que havia leis e normas que restringiam o comportamento homossexual, omitindo o fato de que Ésquines era pederasta assumido, que ele pretendeu criar uma oposição entre uma homossexualidade honrada e uma desonrosa, e ignorando que se trata de um discurso fortemente motivado por razões pessoais (Ésquines havia sido acusado por Timarcos de traição ao estado) recheado de distorções e exageros.
7. A Pederastia era praticada apenas pela elite. Falso. O autor do video cita o artigo do historiador Thomas Hubbard para defender a opinião de que a homossexualidade era ”coisa da elite”, porém, Hubbard está analisando ”as percepções populares” sobre a pederastia, não o fenômeno real em si. Na Página 49 do artigo ele escreveu ”Isso não significa que a paiderastia nunca tenha ocorrido entre as classes mais baixas”. Ele menciona Sócrates, filósofo que Dover observou que é retratado frequentemente em ambientes homossexuais, os prostitutos masculinos referenciados em Pluto de Aristófanes e os escravizados. Quanto às evidências da literatura e das pinturas de vasos, há elementos que apontam que a homossexualidade não estava restrita à elite; Theognis, por exemplo, uma fonte muito citada em apoio da tese aristocrática, reclama que havia pessoas de ”baixo nível” (social) com muito dinheiro se casando com aristocratas com o propósito de aparentar ser alguém da elite. Esse desejo da classe média ascendente de copiar a elite não era desconhecido dos gregos e incluiu a prática da pederastia; exemplo disso em Atenas era o relacionamento pederástico entre Harmodius e Aristogiton, considerados pelo povo ateniense como heróis tiranicidas, homenageados com estátuas públicas. Segundo o historiador Tucídides, Aristogiton era um cidadão da classe média. Em ”Eros Dikaios” Charles Hupperts rejeita a crença de que a pederastia estava restrita à elite e observa que ”as representações homossexuais, especialmente em cerâmicas com figuras vermelhas, não exibem uma única característica aristocrática”. De acordo com ele: ”É quase certo que os ginásios atenienses também eram frequentados por membros da classe hoplita, os zeugitai, ao longo do século VI. Se o que foi dito acima estiver correto: 1) A exclusividade da aristocracia foi quebrada; 2) A autoconsciência de várias outras camadas da população não aristocrática aumentou muito; 3) Uma das formas de expressar esta autoconsciência era adotar certos aspectos do estilo de vida aristocrático; 4) Os ginásios não serviam apenas para a preparação para a guerra e para a participação em grandes festivais desportivos internacionais, então podemos concluir que a homossexualidade já era praticada em círculos não aristocráticos no século VI e que as imagens de vasos com imagens homossexuais não refletem um estilo de vida aristocrático com exclusividade”. No discurso de Pausânias sobre as duas formas de amor ‘(‘Eros pandêmico” e ”Eros Urânico”) em O Banquete, ele critica fortemente o ”Eros pandêmico”, descrevendo seu caráter populista e seu envolvimento erótico tanto com mulheres quanto com meninos, assinalando a presença da pederastia entre o povo.
8. O homem adulto homossexual passivo (Kinaidos) era desprezado e humilhado. Meia verdade. De acordo com o Classicista Charles Hupperts em Eros Dikaios, ”as comédias de Aristófanes e várias outras fontes discutidas acima sugerem que o pathicus (homem sexualmente passivo) era um fenômeno bem conhecido e tolerado em Atenas. A caracterização negativa do homem passivo é uma questão ideológica que tem mais a ver com a construção da autoimagem do cidadão do que com a realidade do comportamento, da vida emocional e da moralidade dos homens que gostavam de ser penetrados. É, portanto, bastante simplista dizer que a homossexualidade entre homens adultos na Grécia era meramente considerada antinatural e vergonhosa. Havia, é claro, atenienses que desprezavam os homens abertamente efeminados e que gostavam de ser penetrados, mas o fato de que milhares de cidadãos apreciavam as piadas de Aristófanes sobre os homens ‘de rabo largo’ prova que esse tipo era uma figura bem conhecida na vida urbana e que a sociedade ateniense os aceitava como um componente de sua cultura”. Hupperts se reporta também à iconografia das figuras de vasos, que fornecem evidências de relacionamentos eróticos entre homens adultos, e observa nessas imagens a ausência significativa de uma caracterização negativa, ou ausência de indícios de feminilização dos homens envolvidos, bem como nenhuma alusão depreciativa aos kinaidos, o que sugere que nem todas as pessoas daquela sociedade compartilhavam da opinião de gente como Aristófanes. Recorde-se aqui o caso de Agaton, poeta trágico, ridicularizado nas comédias de Aristófanes, dado que era homem passivo adulto, eromenos de Pausânias, e que apesar disso, em O Banquete de Platão não é retratado de modo estereotipado nem satirizado.
9. Os filósofos condenaram a Homossexualidade. Meia verdade. A referência de Thiago Braga aos filósofos tem a intenção de sugerir implicitamente que o pensamento deles representava o senso comum. Hupperts observa que a descrição da homossexualidade nos textos de Xenofonte e Platão não representa a prática real da sociedade e é parte de uma retórica que distorce a realidade, com o propósito de corrigir o comportamento sexual da população e defender a reputação de Sócrates; o acadêmico alerta ainda que esses filósofos eram moralistas, reformadores utópicos. Apesar disso, Platão em O Banquete não condenou a homossexualidade, e ainda apoiou algumas ideias revolucionárias, como o Eros Urânico, amor homossexual exclusivo idealizado como algo superior ao Eros Pandêmico, o amor comum da populaça que envolvia tanto o amor por mulheres quanto por meninos. Em Cármides Platão descreve o comportamento de seu mestre, Sócrates, de forma escandalosamente ”Gay”, em ambiente homoerótico na cena memorável do Ginásio, quando ele conhece Cármides, um moço tão bonito que é acompanhado pela algazarra de um cortejo de rapazes apaixonados por ele. Quando perguntam a Sócrates ‘”o que te parece o jovem, Sócrates? Não tem uma bela face?”, ele responde que sim, mas que se o moço estivesse sem roupas ninguém prestaria atenção ao rosto dele, tamanha a beleza do corpo. Assim que Cármides se aproxima e senta-se do lado de Sócrates, ele revela que ficou em chamas, perturbado: ”Neste exato momento, meu nobre amigo, eu vi o conteúdo dentro do manto dele, e me ardia, e já não estava mais em mim, e considerei da mais alta sabedoria Cídias nos seus poemas eróticos, que disse, ao aconselhar um companheiro, falando sobre um belo rapaz, ‘que se acautele a corça para que, ao vir diante do leão, não seja agarrada como um pedaço de carne’ pois eu próprio me considerava presa de uma tal criatura”. Platão, entretanto, mudou de opinião em A República e As Leis? Dover observou que ”não era prática de Platão reconciliar o que havia dito em uma obra com o que dissera em outra anterior, e que raramente é possível decidir quando ele mudou de opinião ou quando só está explorando diferentes aspectos do mesmo problema sob imagens diferentes. Platão não fala em própria pessoa, e os outros participantes nos diálogos socráticos que ele compôs expressam uma variedade de pontos de vista”. Resta-nos portanto, o dado simples e concreto acerca do assunto; o filósofo escreveu sobre a homossexualidade de pontos de vista diferentes, às vezes positivos, outras negativos. Algo que a fonte tendenciosa do autor do video (Finnis) se esforça para ocultar, quando diz que até em O Banquete, Platão condenou o homoerotismo.
10. Platão defendeu apenas ”amor etéreo” entre homem e menino em O Banquete. Mentira. A história da alma gêmea de Aristófanes em O Banquete revela inequivocamente que Platão não teve intenção nenhuma de sugerir que entre homens e rapazes havia somente ”amor espiritual” ou ‘’amor etéreo’’ envolvido, mas também práticas sexuais. Segundo Aristófanes Zeus transferiu os órgãos genitais dos antepassados da humanidade das costas para a frente, para que pudessem fazer sexo. Isso incluiu os homens homossexuais; o sexo para os heterossexuais, de acordo com o mito de Aristófanes, serve ao propósito da reprodução, e para os homossexuais, serve para satisfação e alívio existencial. O elemento erótico é também claramente um aspecto importante do Eros urânico ideal (exclusivamente homossexual) e Eros Pandêmico (popular) no discurso de Pausânias.
11. O Batalhão sagrado de Tebas é invenção de Plutarco sem base histórica. Mentira. Cerca de 400 anos antes de Plutarco, o batalhão sagrado é mencionado pelo nome no discurso de Dinarchus contra Demóstenes apenas 15 anos após a batalha de Queronéia. Xenofonte, em seu Banquete, se refere à prática homossexual entre os soldados de Tebas, indiretamente tornando plausível a história sobre um batalhão de amantes ao criticar o hábito dos Tebanos: ”Este é um hábito que nada tem a ver com o nosso caso, pois entre eles é um hábito que está normalizado, enquanto nós temo-lo por imoral”. O museu arqueológico de Tebas informa em site oficial que em 1879 o arqueólogo grego Panagiotis Stamatakis da sociedade arqueológica de Atenas, escavou um sepulcro coletivo de hoplitas, com 254 esqueletos, que a maioria dos arqueólogos, inclusive gregos, atualmente atribui ao batalhão de Tebas. Eu diria que as evidências para a existência histórica do Batalhão sagrado são melhores que aquelas que apoiam a existência histórica de Cristo.
12. O poeta Theognis inventou o mito pederástico de Zeus e Ganimedes para justificar sua homossexualidade. Mentira. Theognis não reivindica autoria do mito, fala sobre o assunto como se a história fosse preexistente; de fato, o hino Homérico à Afrodite, anterior à Theognis em aproximadamente 150 anos, afirma que Zeus sequestrou Ganimedes por causa da sua beleza. Nesse poema do período arcaico, segundo o consenso acadêmico, Afrodite tem relações sexuais com o belo Anquises, de Tróia, disfarçada de mortal. O moço fica apavorado quando descobre que dormiu com uma deusa e ela tenta acalmar seu coração, contando a história de Zeus e do loiro Ganimedes, príncipe troiano. O contexto deixa evidente que Afrodite desenvolve uma analogia entre o que aconteceu a Zeus e Ganimedes e ela própria e Anquises. O autor do video, Thiago Braga, parece confundir mito com fato histórico, e parece ignorar a natureza ficcional inerente a qualquer relato mitológico, insinuando que há ”mitos verdadeiros”. Além, é claro, de não prestar atenção no detalhe da fonte apresentada por ele mesmo, contradizendo-se de forma ridícula; em ”As Leis”, Platão diz especificamente que o mito de Zeus e Ganimedes teve origem na sociedade Cretense, o que lhe atribui um nascimento coletivo e ancestral, dado que as sociedades minóicas e micênicas antecedem as cidades estado gregas em centenas de anos. Mas o mito não era invenção de Theognis? Thiago Braga alega inclusive que Platão ”ficou pistola” com esse conto envolvendo Zeus e Ganimedes, mas, em Fedro, o filósofo menciona a história também, porém com um tom de indiferença, ao comentar a emanação do desejo que surgiu de Zeus, ”ao amar Ganimedes”. O autor do video tende a confundir a persona de Platão com as personas em seus diálogos.
13. A Homossexualidade não era padrão aceitável em nenhuma época. Mentira. Após reiterar inúmeras vezes no seu video que ”a Grécia antiga não era monolítica”, que não havia unidade cultural ou política entre as sociedades gregas, que a cultura grega não era homogênea, o autor Thiago Braga encerra o video se contradizendo mais uma vez com a alegação de que em ”nenhuma época a homossexualidade foi padrão aceitável na Grécia”. Entretanto, uma das suas fontes apresentadas, o historiador Thomas Hubbard, escreveu que em Atenas a homossexualidade nem era perseguida, nem era completamente aceita, e que em Tebas e Élida, ao contrário, a situação era bem diferente, e a homossexualidade era corriqueira, habitual. O autor do video, geralmente muito afeito às opiniões do moralista Xenofonte, omitiu a informação que o filósofo revelou sobre homossexualidade na Beócia e noutros estados gregos, locais onde essa prática era tão comum segundo ele que os homens e os rapazes “viviam juntos como se fossem casados”.
REFERÊNCIAS
AESCHINES. The speeches of Aeschines: Against Timarchus; On the Embassy; Against Ctesiphon / translated by Charles Darwin Adams. London; New York: William Heinemann; G. P. Putnam’s Sons, 1919. xxiii, 527 p. (Loeb Classical Library; n. 106).
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Luciano Ferreira de Souza. São Paulo: Martin Claret, 2015.
BION. Bion of Smyrna: The Fragments and the Adonis. Edited and translated by J. D. Reed. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.
COHEN, David. Law, Sexuality, and Society: The Enforcement of Morals in Classical Athens. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.
DOVER, K. J. A homossexualidade na Grécia antiga. Tradução de Luís Sérgio Krausz. São Paulo: Nova Alexandria, 2007.
DINARCHUS. “Against Demosthenes.” In: BRYAN, William Jennings (ed.). The World’s Famous Orations. Vol. 1: Greece (432–324 B.C.). New York: Funk & Wagnalls, 1906.
HUBBARD, T. K. Popular Perceptions of Elite Homosexuality in Classical Athens. Arion — A Journal of Humanities and the Classics, sér. 3, v. 6, n. 1, p. 48–78, 1998.
HUPPERTS, Charles A. M. Eros Dikaios: De praktijk en de verbeelding van homoseksualiteit bij de Grieken (PhD thesis). Universiteit van Amsterdam, 2000.
MURRAY, Gilbert. The Rise of the Greek Epic. Oxford: Clarendon Press, 1907 (Clarendon/Clarendon Press.)
OLSON, S. Douglas. The “Homeric Hymn to Aphrodite” and Related Texts: Text, Translation and Commentary. Berlim; Boston: De Gruyter, 2012.
PLATÃO. O Banquete. Tradução de José Cavalcante de Souza. Coleção Os Pensadores (Abril Cultural). São Paulo: 1972.
PLATÃO. Fedro ou Da Beleza. Tradução e notas de Pinharanda Gomes. 6. ed. Lisboa: Guimarães Editores, 2000.
PLATÃO. Cármides. Tradução de Francisco de Oliveira. 2. ed. rev. e aumentada. Coimbra: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1988.
THORNTON, Bruce S. Eros: The Myth of Ancient Greek Sexuality. Boulder, CO: Westview Press, 1997.
TUCÍDIDES. History of the Peloponnesian War. Tradução de Rex Warner, Penguin Books — edição Penguin Classics). Livro IV, §54 .
XENOFONTE. Constituição dos Lacedemônios. In: Xenophon. Scripta Minora. Tradução de E. C. Marchant. Loeb Classical Library. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1925.
XENOFONTE. Banquete. Apologia de Sócrates. Tradução do grego, introdução e notas de Ana Elias Pinheiro. 1 ed. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e humanísticos, 2008.

Deixar mensagem para Plata Quemada Cancelar resposta